Se por um momento fosse possível imaginar
um mundo sem a linguagem verbal ficaria muito difícil entender como se dariam
as relações humanas, como seriam feitos os combinados sociais, como as
civilizações construiriam sua cultura, seus valores e suas crenças. Fato
indiscutível é que a linguagem ocupa um lugar imenso e muito particular na
produção e transmissão de conteúdos de geração em geração. Dessa forma, podemos
observar como as culturas vão se construindo e como os seres humanos vão
ditando aquilo que pode ser considerado como verdade e aquilo que deve ser
descartado como falso ou como prejudicial ao convívio social.
Partindo desse ínterim, torna-se
possível pensar em como os indivíduos podem ser desde muito cedo completa ou
parcialmente influenciados por discursos e/ou narrativas sociais que visam
construir um ideal de ser humano voltado para os conceitos da moralidade e da
bondade. Através desses discursos coletivos o ser humano vai construindo a sua
identidade, quiçá até mesmo a sua personalidade. O objetivo normalmente é o de ser
aceito, de pertencer a um lugar de fala, a um grupo ou então até mesmo o de
acreditar e vivenciar o mundo de acordo com alguma ideologia.
Se essa possibilidade junto ao aparelho
psíquico possui um lado positivo, é indiscutível que sim. Isso demonstra que a
humanidade constrói sua cultura de forma a contemplar a diversidade de saberes
e conhecimentos e que os grupos entendem muitas vezes de forma coletiva aquilo
que pode causar benefícios ou prejuízos à vida humana (tanto no sentido
biológico, quanto no sentido social). Por outro lado, os discursos e as
narrativas prontas de cada ideologia podem por vezes funcionar como limitadores
de um intelecto único e de um consciente que deseja ser livre para pensar e
para escolher seu modo próprio e particular de entender o verdadeiro
significado de sua existência na Terra. Chega-se aqui a um importante embate
entre a identidade cultural e a identidade particular de cada um, considerando
toda a complexidade de estar diante de uma linha muito tênue. Isso porque ao
mesmo tempo em que convivemos enquanto grupo, somos seres únicos e subjetivos.
Nessa perspectiva, pode-se entender que
uma das grandes responsabilidades encontradas no processo de relação entre
paciente e analista está justamente voltada para o campo da fala. É falando que
o sujeito se constrói, se autoconhece e pode começar também um processo de
descoberta de conteúdos que estão enraizados em um inconsciente até então
recalcado. No entanto, ao falar e se fazer ouvir, torna-se também necessário
entender de onde vem essa fala que o sujeito até então reproduz. Seria essa
fala produto do âmago de uma individualidade ou essa fala está pautada em
alguma ideologia que o sujeito já esteve em contato e, portanto aceita até
então como uma verdade absoluta sobre a sua vida e a vida dos outros ao seu
redor?
Outro fator importante sobre a
linguagem a ser destacado é o fato de que desde a infância o indivíduo entra em
contato com muitas falas, normalmente oriundas de seus pais e que têm por
objetivo descrever as características do filho. Exemplo: “Esse menino é muito
medroso.”, “Essa menina é uma assanhada”.
Quando o sujeito vai crescendo em um
meio familiar que o caracteriza de determinada forma, pode ser que ele vá
internalizando aquelas verdades para ele e mesmo que ao crescer tais verdades
não façam mais sentido ao combinar com as verdades que o sujeito agora acredita,
aquelas palavras já estão enraizadas em sua mente, povoando a instância
psíquica do superego e ditando algumas formas para que ele seja ou esteja no
mundo. Vale ressaltar que o Superego está relacionado com as regras sociais e
morais das quais se tem consciência, no entanto, também possui uma parte inconsciente
onde essas regras são interiorizadas.
Nessa perspectiva, a associação-livre,
que foi a técnica de escuta adotada por Sigmund Freud se faz fundamental para
que ao falar e poder se ouvir, o paciente possa manter uma posição de constante
questionamento sobre as verdades que construiu em vida, problematizando-as e
questionando de onde possivelmente elas
vêm. O paciente pode se perguntar se essas “verdades” fazem real sentido no
campo individual ou se são apenas discursos e ímpetos de verdades que ele vem
reproduzindo sem buscar algum raciocínio crítico acerca de tais afirmações; afirmações
essas que podem ser sobre a sua vida, sua identidade, suas crenças, seus
valores e suas verdades.
De fato, pode-se afirmar que a
linguagem é um dos instrumentos mais poderosos de construção do conhecimento. É
através dela que o ser humano se organiza, cria suas leis, suas regras e até
mesmo seus entendimentos de moralidade.
No entanto, sabemos que o inconsciente
não se limita às regras. O inconsciente, ou ID não é regido pela lógica do
pensamento puramente racional. Nessa instância psíquica estão os conteúdos
reprimidos e os impulsos que buscam o prazer, todos de forma desorganizada e
sem direcionamento. Esses conteúdos que povoam o inconsciente humano e que não
estão comprometidos com a realidade e com a moral podem em algum momento
emergirem a nível consciente possibilitando um melhor entendimento da
personalidade individual do paciente.
Em outras palavras, conclui-se que
através da fala, seria possível iniciar um processo de acesso ao inconsciente,
que possibilitaria o início de outro processo: o de busca pelo
autoconhecimento, uma vez que sabemos que é justamente no inconsciente que
estão os principais determinantes da personalidade única e subjetiva de cada
um.