“Palavras devem ser doces como brisas, belas como o sol, sobretudo intensas como a tempestade”. (Paula Schaustz)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Possíveis relações entre linguagem, construção da personalidade e autoconhecimento.

 



         Se por um momento fosse possível imaginar um mundo sem a linguagem verbal ficaria muito difícil entender como se dariam as relações humanas, como seriam feitos os combinados sociais, como as civilizações construiriam sua cultura, seus valores e suas crenças. Fato indiscutível é que a linguagem ocupa um lugar imenso e muito particular na produção e transmissão de conteúdos de geração em geração. Dessa forma, podemos observar como as culturas vão se construindo e como os seres humanos vão ditando aquilo que pode ser considerado como verdade e aquilo que deve ser descartado como falso ou como prejudicial ao convívio social.

         Partindo desse ínterim, torna-se possível pensar em como os indivíduos podem ser desde muito cedo completa ou parcialmente influenciados por discursos e/ou narrativas sociais que visam construir um ideal de ser humano voltado para os conceitos da moralidade e da bondade. Através desses discursos coletivos o ser humano vai construindo a sua identidade, quiçá até mesmo a sua personalidade. O objetivo normalmente é o de ser aceito, de pertencer a um lugar de fala, a um grupo ou então até mesmo o de acreditar e vivenciar o mundo de acordo com alguma ideologia.

         Se essa possibilidade junto ao aparelho psíquico possui um lado positivo, é indiscutível que sim. Isso demonstra que a humanidade constrói sua cultura de forma a contemplar a diversidade de saberes e conhecimentos e que os grupos entendem muitas vezes de forma coletiva aquilo que pode causar benefícios ou prejuízos à vida humana (tanto no sentido biológico, quanto no sentido social). Por outro lado, os discursos e as narrativas prontas de cada ideologia podem por vezes funcionar como limitadores de um intelecto único e de um consciente que deseja ser livre para pensar e para escolher seu modo próprio e particular de entender o verdadeiro significado de sua existência na Terra. Chega-se aqui a um importante embate entre a identidade cultural e a identidade particular de cada um, considerando toda a complexidade de estar diante de uma linha muito tênue. Isso porque ao mesmo tempo em que convivemos enquanto grupo, somos seres únicos e subjetivos.

         Nessa perspectiva, pode-se entender que uma das grandes responsabilidades encontradas no processo de relação entre paciente e analista está justamente voltada para o campo da fala. É falando que o sujeito se constrói, se autoconhece e pode começar também um processo de descoberta de conteúdos que estão enraizados em um inconsciente até então recalcado. No entanto, ao falar e se fazer ouvir, torna-se também necessário entender de onde vem essa fala que o sujeito até então reproduz. Seria essa fala produto do âmago de uma individualidade ou essa fala está pautada em alguma ideologia que o sujeito já esteve em contato e, portanto aceita até então como uma verdade absoluta sobre a sua vida e a vida dos outros ao seu redor?

         Outro fator importante sobre a linguagem a ser destacado é o fato de que desde a infância o indivíduo entra em contato com muitas falas, normalmente oriundas de seus pais e que têm por objetivo descrever as características do filho. Exemplo: “Esse menino é muito medroso.”, “Essa menina é uma assanhada”.

         Quando o sujeito vai crescendo em um meio familiar que o caracteriza de determinada forma, pode ser que ele vá internalizando aquelas verdades para ele e mesmo que ao crescer tais verdades não façam mais sentido ao combinar com as verdades que o sujeito agora acredita, aquelas palavras já estão enraizadas em sua mente, povoando a instância psíquica do superego e ditando algumas formas para que ele seja ou esteja no mundo. Vale ressaltar que o Superego está relacionado com as regras sociais e morais das quais se tem consciência, no entanto, também possui uma parte inconsciente onde essas regras são interiorizadas.

         Nessa perspectiva, a associação-livre, que foi a técnica de escuta adotada por Sigmund Freud se faz fundamental para que ao falar e poder se ouvir, o paciente possa manter uma posição de constante questionamento sobre as verdades que construiu em vida, problematizando-as e questionando de onde possivelmente  elas vêm. O paciente pode se perguntar se essas “verdades” fazem real sentido no campo individual ou se são apenas discursos e ímpetos de verdades que ele vem reproduzindo sem buscar algum raciocínio crítico acerca de tais afirmações; afirmações essas que podem ser sobre a sua vida, sua identidade, suas crenças, seus valores e suas verdades.

         De fato, pode-se afirmar que a linguagem é um dos instrumentos mais poderosos de construção do conhecimento. É através dela que o ser humano se organiza, cria suas leis, suas regras e até mesmo seus entendimentos de moralidade.

         No entanto, sabemos que o inconsciente não se limita às regras. O inconsciente, ou ID não é regido pela lógica do pensamento puramente racional. Nessa instância psíquica estão os conteúdos reprimidos e os impulsos que buscam o prazer, todos de forma desorganizada e sem direcionamento. Esses conteúdos que povoam o inconsciente humano e que não estão comprometidos com a realidade e com a moral podem em algum momento emergirem a nível consciente possibilitando um melhor entendimento da personalidade individual do paciente.

         Em outras palavras, conclui-se que através da fala, seria possível iniciar um processo de acesso ao inconsciente, que possibilitaria o início de outro processo: o de busca pelo autoconhecimento, uma vez que sabemos que é justamente no inconsciente que estão os principais determinantes da personalidade única e subjetiva de cada um.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A importância dos estudos da Psicanálise no contexto da sociedade contemporânea.


            Embora a Psicanálise tenha sido fundada na passagem do séc XIX para o séc. XX por Sigmund Freud, esse campo teórico do conhecimento permanece cada vez mais atual quando se torna necessário entender e interpretar as relações do indivíduo com o meio, assim como buscar entendimento para as aflições que assolam a mente humana.

         O contexto atual da pandemia do Covid-19, por exemplo,  trouxe à tona diversos assuntos relacionados aos transtornos psíquicos e às doenças mentais. Foram compartilhados diversos conteúdos sobre a necessidade de se falar em saúde mental, preservando assim a sanidade e o equilíbrio em meio a um contexto de quarentena e incertezas com relação à vida e a morte.

         Não há como calcular com exatidão o quanto a pandemia pode ter afetado os mecanismos de funcionamento da mente no que se trata das questões relacionadas ao emocional, como os sentimentos de medo, perda, dúvidas e aflições. No entanto, sabemos que atualmente a sociedade de um modo geral tem demonstrado anseio em cuidar e falar mais abertamente sobre saúde mental, quebrando assim alguns tabus relacionados a este tema. Ademais, podemos perceber a veracidade dessa informação, quando observamos um vasto número de publicações de artigos e reportagens na área da psicologia humana. Parece que o assunto não tem fim e quanto mais se fala, mais as pessoas têm interesse em saber como funciona a nossa mente e como mantê-la saudável em tempos tão difíceis e desafiadores.

         Nesse interim, nada mais atual e pertinente do que os estudos da Psicanálise, que vêm se mostrando ao longo dos anos não apenas como um método de investigação e pesquisa, mas também como um método psicoterápico (fazer um tratamento psicanalítico, começando assim um processo de análise). Caso o paciente opte por iniciar esse processo de autoconhecimento, pode ser que encontre muitas respostas para as perturbações que assolam sua mente, trazendo memórias ocultas para o nível do consciente.

         Ao falar em consciente, precisamos enfatizar também que em nosso aparelho psíquico possuímos uma estrutura denominada inconsciente. Nesse compartimento estão alguns conteúdos que foram vivenciados por nós, porém por algum motivo foram reprimidos por censuras internas e por esse motivo num primeiro momento não conseguimos nos recordar com clareza. Podemos dizer então, baseados nos estudos da Psicanálise, que a existência de tais memórias, ainda que num primeiro momento estejam “escondidas” podem causar diversos sintomas relacionados à esfera emocional. Geralmente trata-se de acontecimentos que causaram dor e angústia ao indivíduo e que no momento em que ocorreram, não foi possível lidar com tais emoções, ocasionando assim quase que um “arquivamento interno” em sua mente. Uma das maneiras que Freud utilizava no tratamento de seus pacientes era a “associação livre”, que nada mais era do que uma técnica de escuta, na tentativa de relacionar a fala aos conteúdos que não estavam presentes no nível consciente.

         Chegamos aqui em um importante ponto a ser considerado: a importância que Freud dava ao discurso, à fala e à escuta. Podemos dizer então que a Psicanálise entende a fala como um verdadeiro processo de cura, por isso a importância de se manter a mente saudável através de um processo de análise.

         Mas se por um lado a sociedade necessita tanto falar, expor suas questões, suas angústias, buscar respostas e autoconhecimento, por outro, existem poucas pessoas dispostas a ouvir. Nesse momento, entramos em outra problemática importante relacionada aos tempos atuais: a de que as pessoas estão sempre ocupadas demais vivendo uma vida que não necessariamente é a que condiz com sua realidade. Isso porque talvez exista uma necessidade de exposição nas redes sociais que cria quase que uma realidade ou existência paralela em um mundo virtual. Isso se torna complexo, uma vez que essa vida apresentada de modo virtual quase nunca expõe as questões internas, que trazem os questionamentos e assolam a mente humana. Tal profundidade não será encontrada em um local onde se mostra apenas aquilo que temos de melhor. Essa profundidade que o ser humano busca poderá ser encontrada no momento em que ele estiver disposto a abrir as portas do inconsciente e lidar com aquilo que ele tem de melhor e com aquilo que ele tem de pior também: seus defeitos, suas fantasias, seus dilemas, seus bloqueios. Num primeiro momento, pode parecer algo semelhante como uma busca pelo sofrimento, porém será apenas atravessando a barreira do recalque que haverá a possibilidade de alcançar a catarse, que para Freud seria o momento em que a liberação de emoções ligadas a acontecimentos traumáticos vêm à tona por meio da rememoração. Nesse momento os sintomas poderiam desaparecer e o indivíduo assim poderia ter total consciência de sua realidade. Assim chegaria a hora em que o paciente poderia escolher as formas de melhor entender, dialogar e lidar com os traumas passados.

         Sendo então a Psicanálise uma ciência que estuda a mente humana em suas profundezas (o inconsciente, suas leis e seus efeitos), nada mais coerente do que trazermos à tona sua importância em tempos em que a humanidade busca tantas respostas e reflexões sobre dilemas intermináveis. No entanto, ao passo em que há a necessidade de entender melhor todas essas questões que se encontram nas profundezas das mentes, existe também a necessidade de se encontrar bons profissionais na área da Psicanálise. Querer ouvir e querer ajudar o outro a encontrar respostas é um caminho digno de apreço e por isso deve ser respeitado e reconhecido o trabalho do analista, como uma das profissões mais dignas e necessárias da sociedade contemporânea.