“Palavras devem ser doces como brisas, belas como o sol, sobretudo intensas como a tempestade”. (Paula Schaustz)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Ato falho: uma expressão simbólica do Inconsciente.

 

           


A Psicanálise é uma teoria que se dedica a estudar o funcionamento da mente humana, seus processos conscientes e inconscientes, e as diferentes formas de expressão do psiquismo. Uma das formas de expressão mais estudadas na área psicanalítica foi denominada por Freud como “ato falho”, que pode ser definido como um erro cometido na fala, na escrita ou na ação, que acaba revelando conteúdos inconscientes da pessoa. O ato falho é um dos temas centrais na Psicanálise, pois permite entender a relação entre o consciente e o inconsciente, a influência do passado no presente e a dinâmica das relações interpessoais.

            Nesse sentido, o ato falho pode ser entendido como uma expressão simbólica do inconsciente, que se manifesta de forma deslocada, desfigurada ou até mesmo disfarçada. Freud, o fundador da Psicanálise, identificou três tipos de ato falho: o lapso, o esquecimento e o engano. O lapso é um erro de fala ou de escrita, como trocar o nome de uma pessoa, esquecer uma palavra ou cometer um erro de ortografia. O esquecimento é uma falha na memória, como esquecer uma data importante ou um compromisso. O engano é uma ação equivocada, como pegar o caminho errado para um lugar ou comprar o produto errado no supermercado. Todos esses tipos de ato falho têm em comum o fato de revelarem conteúdos inconscientes da pessoa, que podem estar relacionados a traumas, desejos, conflitos ou repressões.

            Ademais, o ato falho é um fenômeno complexo, que pode ser analisado de várias perspectivas. Uma das abordagens mais conhecidas é a Psicanálise Freudiana, que se dedica a interpretar o ato falho a partir da teoria do inconsciente. Segundo Freud, o ato falho é um sintoma da repressão, ou seja, uma forma de expressão do que foi censurado pelo consciente. O inconsciente é uma instância psíquica que contém os desejos, os traumas e as memórias que foram reprimidas pelo consciente, mas que continuam a influenciar o comportamento da pessoa. Quando um conteúdo inconsciente é reprimido, ele não desaparece somente, mas se manifesta de outras formas, como o ato falho, por exemplo. Assim, o ato falho é uma forma de desvelar o conteúdo reprimido, revelando o que está por trás do que foi censurado.

            Outra abordagem da Psicanálise é a teoria da resistência, que se concentra no papel do ego na manifestação do ato falho. O ego é a instância psíquica que representa a consciência, ou seja, a parte da mente que tem o controle sobre o comportamento e as decisões da pessoa. O ego é responsável por defender a pessoa contra os impulsos e desejos inconscientes, mas também pode ser uma fonte de resistência ao trabalho analítico. A resistência é um mecanismo de defesa do ego, que busca impedir a análise de conteúdos que são dolorosos, ameaçadores ou incompatíveis com a imagem que a pessoa tem de si mesma. A resistência pode se manifestar de várias formas, como o silêncio, a omissão, a negação ou até mesmo o ataque ao analista. O ato falho também é uma forma de resistência, uma vez que revela a dificuldade do ego em manter a repressão dos conteúdos inconscientes. Ao cometer um ato falho, a pessoa pode estar tentando evitar a análise de um conteúdo que é doloroso ou ameaçador para o ego. Por exemplo, se uma pessoa está falando sobre sua infância e comete um lapso, trocando o nome de um parente, pode estar revelando um conteúdo inconsciente que está sendo reprimido, como um trauma ou um conflito familiar.

            Além da Psicanálise Freudiana, outras correntes da Psicanálise têm contribuído para o estudo do ato falho. Por exemplo, a Psicanálise Lacaniana enfatiza a dimensão simbólica do ato falho, entendendo-o como uma forma de linguagem que revela a estrutura do sujeito. Segundo Lacan, o ato falho é uma brecha na simbolização, que permite o acesso aos conteúdos inconscientes do sujeito. O ato falho é um efeito da falha do simbólico em dar conta dos desejos e conflitos do sujeito, e revela a dimensão real do psiquismo, que não pode ser reduzida à linguagem. Assim, o ato falho é uma forma de resistência ao simbólico, que busca revelar o que está para além das palavras.

            Outra corrente da Psicanálise que tem se dedicado ao estudo do ato falho é a Psicologia Analítica, desenvolvida por Jung. Jung concebe o ato falho como uma expressão do inconsciente coletivo, ou seja, um conjunto de conteúdos que são comuns a toda a humanidade. O inconsciente coletivo é formado por arquétipos, que são padrões universais de comportamento e pensamento, como o arquétipo da mãe, do pai, do herói, etc. O ato falho, nesse sentido, revela a influência dos arquétipos na vida da pessoa, e pode ser entendido como uma forma de compensação ou de realização de um desejo inconsciente. Por exemplo, se uma pessoa comete um engano e pega o caminho errado para um lugar, pode estar realizando um desejo inconsciente de se perder ou de se desviar do caminho convencional.

            Resumindo, o ato falho mostra que a mente humana não é um sistema racional e lógico, mas uma trama de influências e determinações que escapam ao controle consciente da pessoa. Dessa forma, o ato falho também pode ser entendido como uma forma de autoconhecimento, que permite à pessoa ter acesso a seus conteúdos inconscientes, e assim acaba por compreender melhor a si mesma e ao mundo ao seu redor.

            Sendo assim, pode-se concluir que o ato falho é uma das principais contribuições da Psicanálise para a compreensão do psiquismo humano. O ato falho revela a dimensão inconsciente da mente, sua relação com a linguagem e com a cultura, e sua resistência à análise. O ato falho é uma forma de autoconhecimento, que permite à pessoa ter acesso aos seus conteúdos inconscientes, e assim compreender melhor a si mesma e ao mundo ao seu redor. O estudo do ato falho é importante não apenas para a Psicanálise, mas para outras áreas do conhecimento humano, como a Linguística, a Sociologia, a Antropologia e a Filosofia, pois revela a complexidade do psiquismo humano e sua relação com a História e a cultura. Por isso, o ato falho continua sendo um tema relevante e estimulante para a pesquisa e o debate no campo da Psicanálise, da Psicologia e das Ciências Humanas em geral.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Contribuições Freudianas sobre o desenvolvimento psíquico e social a partir da sexualidade.



       Além dos estudos sobre o inconsciente, uma das grandes contribuições Freudianas para a Psicanálise foi a tendência de explicar a sexualidade partindo do pressuposto de que esse conceito vai muito além de definições relacionadas somente ao sexo. Em seus estudos Freud também ressaltou que a origem da sexualidade aconteceria em um período anterior à adolescência.

   A partir dessa base teórica, Freud elaborou conteúdos sobre o desenvolvimento psicossexual, considerando que este ocorre desde o início da vida e vai se desenvolvendo de forma gradual e evolutiva, ou seja, por etapas. Essas etapas vão se desenvolvendo com a participação de uma manifestação denominada libido (pulsão sexual). Isso quer dizer que em cada fase de desenvolvimento psicossexual, a libido irá se fixar em determinadas zonas erógena na tentativa de buscar o prazer.

         Nessa perspectiva, pode-se afirmar que as fases de desenvolvimento da libido, que ocorrem desde a infância, vão deixando marcas no indivíduo, o que Freud denominou como “pontos de fixação”. Ademais, quando eventualmente ocorrem conflitos e o desenvolvimento dessas fases não se dá de forma “normal”, acontece a origem dos “pontos nodais” que vão se fixando em determinadas fases, podendo ser retomados em um posterior período de crise. Dessa forma, chegamos ao entendimento de que as fases de desenvolvimento sexual ocorrem na infância e adolescência, mas cada uma delas é capaz de deixar marcas permanentes, fazendo com que a fixação e a regressão a uma fase específica possa ocorrer em qualquer fase da vida.

         De acordo com os estudos de Freud as fases de desenvolvimento da libido são divididas em: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital.

         A fase oral ocorre desde o nascimento até por volta dos dois anos de idade. O órgão denominado como zona erógena é a boca e o prazer pode ocorrer através da amamentação e do uso da chupeta, por exemplo. Nesse caso podemos perceber que indivíduos adultos com hábitos como fumar ou beber em excesso, por exemplo, podem ter ponto de fixação na fase oral, uma vez que a boca é o órgão que recebe o investimento libidinal e por consequência as pulsões de satisfação e  prazer.

         A fase anal ocorre entre dois e três anos de idade e os esfíncteres de micção e evacuação apresentam-se como zona erógena. Nessa fase a criança encontra prazer relacionado à função excretora, alcançando assim o controle de si mesmo. Adultos com sentimentos ambivalentes, altamente manipuladores, competidores e que tem uma intensa necessidade de controle podem estar fixados nessa fase.

         A fase fálica, por sua vez, ocorre de três anos até por volta dos seis anos de idade e possui como zona erógena a parte genital, majoritariamente do órgão masculino que possui uma representação simbólica de poder. Essa fase envolve a curiosidade sobre as partes genitais e também aparece envolta em um conjunto de desejos amorosos que as crianças possuem em relação aos seus pais. Freud denominou esse processo como “Complexo de Édipo” e se por um lado a sua resolução pode possibilitar o ingresso na genitalidade adulta, por outro, caso haja conflito na passagem dessa fase, o indivíduo pode apresentar uma fixação nas fases anteriores, o que pode ocasionar em distintas psicopatologias.

         O período de latência ocorre de seis anos de idade até a chegada da puberdade. Nessa fase a libido está concentrada no desenvolvimento social, na experiência e vivência com outras crianças. Nesse período a criança esquece experiências subjetivas relacionadas às fases anteriores e fica exposta e regras morais e sociais.

         Por fim, a fase genital ocorre a partir da puberdade e adolescência. Nessa fase ocorrem mudanças anatômicas e fisiológicas e os adolescentes revivem de certa forma o complexo edipiano, muitas vezes gerando conflitos contra seus pais na tentativa de construírem sua própria identidade.

         Vale ressaltar que para Freud as fases de desenvolvimento psicossexuais não são necessariamente fixas e/ou lineares. Como estão atreladas às vivências e experiências únicas e particulares de cada ser humano elas podem apresentar avanços e retrocessos, constituindo assim um modo de funcionamento específico para cada pessoa. No entanto, essas fases deixam marcas profundas no psiquismo humano que podem gerar diferentes modos de interagir com o mundo. Para explicar essas organizações internas, Freud elencou três mecanismos de organização psíquica as quais denominou como: neuroses, psicoses e perversões. A ideia central seria a de que cada pessoa se estruturaria sobre uma dessas organizações, no entanto, levando em consideração a complexidade da psique humana, isso não exime o fato de que uma pessoa possa apresentar também traços de outro mecanismo de organização psíquica.

         Ao falarmos sobre o neurótico, podemos afirmar que seu grande conflito está instalado entre a vontade de obter satisfação/prazer e a impossibilidade de realizar seu desejo, uma vez que possui o mecanismo de defesa do ego funcionando como uma autocensura. Esse conflito psíquico pode causar sofrimento e alterações comportamentais, como inibições, fobias, etc. Podemos afirmar, de certo modo, que a neurose em certo nível e em graus diferenciados, está presente em todos os indivíduos.

         Por outro lado, as psicoses apresentam um conflito entre o EGO e a realidade e seus eventos traumáticos estão ligados às fases de desenvolvimento psicossexuais mais primitivas. As psicoses propriamente ditas podem se manifestar como esquizofrenia, paranoica ou melancolia.

         Por fim, temos as perversões, que para Freud se referem a um modo de se relacionar com o mundo e/ou alcançar determinada obtenção de prazer que são repudiados por regras ou leis sociais. Diferente do neurótico, o perverso não se reprime. Ao contrário, ele realiza seu desejo sexual sem nenhum pudor ou sentimentos de remorso e arrependimento.

         Nesse sentido, podemos concluir que para Freud o conceito de sexualidade será definido para muito além do que entendemos como ato sexual. Freud deu muita importância para esse tema, uma vez que para ele as fases de desenvolvimento sexual, assim como suas pulsões e relações com a libido, podem explicar diversos fatos psíquicos e sociais relacionados à psique humana, revelando assim a complexidade e os mistérios mais profundos da mente.