“Palavras devem ser doces como brisas, belas como o sol, sobretudo intensas como a tempestade”. (Paula Schaustz)

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Vidas Secas

    O livro “Vidas secas” do autor Graciliano Ramos me causou muitas reflexões, muitas inquietações. Tantas que venho aqui hoje inaugurar meu blog escrevendo sobre ele. É um livro que todos os brasileiros deveriam ler. Ele possui uma riqueza muito particular, muito detalhada, por isso eu jamais conseguiria esmiuçar tamanha riqueza em somente uma postagem. No entanto, preciso pontuar duas questões que para mim foram as mais marcantes e mais cruéis também. 
   Como estudante de Letras, eu não poderia deixar de reparar que os personagens principais quase não falam. Fabiano e Sinhá Vitória se comunicam com poucas palavras, quase sempre com resmungões e quase nunca com um diálogo, propriamente. Os meninos, tanto o mais velho, quanto o mais novo, possuem sentimentos e pensamentos que povoam seu imaginário, mas ao tentar se expressar, eles não conseguem fazê-lo através da língua. Faltam palavras. Para todos os personagens faltam as palavras. Era de dar dó ver Fabiano juntando aleatoriamente algumas palavras que conhecia, tentando formar alguma frase bonita, para impressionar, para se comunicar. Ele gostaria de falar bonito, mas se frustrava a cada tentativa. Em família, a comunicação se dava no gesto, no olhar. Era como se eles possuíssem uma forte ligação que os fazia adivinhar o que o outro pensava, o que o outro queria dizer, mas não dizia. Ainda pensando em Fabiano, fico imaginando como a questão da língua está diretamente ligada à de cidadania. Fabiano era facilmente enrolado por pessoas que “falavam bonito”. Ele não podia argumentar, não podia questionar, porque não sabia falar, não sabia conversar e muito menos convencer. Era um homem de poucas palavras, não porque era um homem que não possuía conhecimento algum. Fabiano era um vaqueiro experiente, que possuía um vasto conhecimento de mundo, mas tudo ficava somente no pensamento, enterrado nele próprio. E por esse motivo ele se julgava inferior aos outros e aceitava seu destino desgraçado. 
   O segundo ponto que preciso comentar sobre esse livro, é sobre a questão da incerteza. O livro termina assim, com uma grande e relevante incerteza. Uma incerteza tão séria que dela dependia a vida de Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos. Isso para mim foi muito marcante, confesso que algumas lágrimas tiveram que sair de mim, secas e sufocadas, como toda aquela atmosfera do livro. Fiquei pensando em como seria surreal não saber se no dia seguinte haveria comida. Se haveria ou não água para beber, lugar para dormir. “Talvez sim, talvez não.” dizia Fabiano, acostumado com isso. Mas eu não conseguia aceitar essa fala, não conseguia aceitar que aquilo estava acontecendo com eles. 
   Pode parecer estranho, mas me afeiçoei à família de Fabiano. O sr. Graciliano foi um escritor tão grandioso que conseguiu fazer isso comigo (e imagino que com muito mais gente). Ele conseguiu fazer com que eu viajasse para aquele sertão e vivesse lá alguns dias, observando (sem nada poder fazer) a vida de Fabiano. Por esse motivo, digo que me afeiçoei àquela gente e que com essa afeição surgiu o desejo de vê-los prosperar, de ver os meninos estudando, de ver Fabiano conseguindo sua própria fazenda em um local onde não houvesse a seca. Pura ilusão! Quando se lê “Vidas secas”, lentamente essa esperança vai se esvaindo e a dura realidade vai tomando conta do seu coração. A gente percebe que Fabiano sempre será um homem bom, simples, que trabalhará quase de graça, somente a troco de comida. Sinha Vitória, minha querida Vitória, continuará a sonhar com seu colchão de couro. Todos os meses irá fazer suas continhas e perceber que não possui dinheiro para comprá-lo e que por isso terá que continuar a dormir em sua cama de varas. Os meninos, ah, os meninos serão como Fabiano no futuro, e a triste história sempre voltará a se repetir. Mas de acordo com o Sr. Graciliano, no final do livro “O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.” E assim o livro termina sem terminar. Eles continuam a sua caminhada, sem rumo, sem qualquer ponta de certeza. E se chegassem à cidade? Sinceramente não sei se seria melhor. Fabiano era um bom vaqueiro. Não sei o que o aguardaria na cidade. Escola para os meninos? Talvez sim, talvez não. Enfim, essa incerteza me cortou a alma, me fez pensar no sentido maior da vida, me fez desejar imensamente que eles não existissem de verdade. Aí veio o golpe final. Eles existem. Hoje mesmo foi noticiado que “após uma década de queda na miséria, o número de brasileiros em condição de extrema pobreza voltou a subir em 2013. O país tinha 10,08 milhões de miseráveis em 2012, contra 10,45 milhões um ano depois, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O aumento é de 3,7%.” Agora imaginem, mais de 10 milhões de Fabianos espalhados pelo Brasil. Há que se pensar muito nisso, há que se mudar isso. Ninguém deve aceitar, se acostumar ou fechar os olhos para isso. 
   “Vidas secas” foi publicado em 1938 e continua tão atual. É uma ficção, eu sei. Ou melhor, não sei. Ainda hoje muitas pessoas continuam sofrendo com a incerteza. Incerteza essa relacionada à própria sobrevivência. Nem tão cedo esse livro vai me deixar caminhar sem lembrar-me dele. Quanto a Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos e a Baleia, eu prefiro continuar a lembrá-los com esperança. Esperança também é uma mensagem deixada em “Vidas secas”. E além dessa vã esperança, que possamos ser belos, amáveis, honestos, fortes, brutos, como eles. Só assim para dar conta dessa vida.

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